Panorama da Garbage City, Cairo, Bas Princen, 2011
Os Zabbaleen são recolectores informais de lixo que, há mais de meio século, operam na enorme cidade do Cairo. Recolhem e reciclam nos bairros onde vivem o lixo de quase toda a metrópole, com a ajuda de porcos que comem o lixo orgânico. No mundo ocidental, recicla-se cerca de 1/4 do lixo produzido. Os Zabbaleen reciclam, por vezes recorrendo a uma criatividade sem limites, quase 90% do lixo que recolhem!
A wikipedia conta, num artigo bastante completo, a história deste fenómeno da contemporaneidade que, como não poderia deixar de ser, jamais é notícia no espectáculo dos noticiários.
Ao ver recentemente o espantoso filme ‘Outro País’ de Sérgio Tréfaut (1999), que mostra como o processo revolucionário de 74/75 foi documentado por dezenas de importantes documentaristas, repórteres e fotógrafos estrangeiros (que vieram para Portugal durante esse período singular), pude recordar como a revolução foi festejada, vivida, desenvolvida, reproduzida e multiplicada pelo povo português no seu quotidiano. Quem esteve em Portugal nesse período testemunhou uma felicidade e uma euforia incontidas que contrastavam com a atmosfera tensa do Portugal fascista: durante um breve ano, o mundo das elites portuguesas fora desmontado, dando lugar a um mundo inteiramente novo, onde nada foi como dantes.
Quase 40 anos volvidos sobre um dos mais belos e paradoxalmente desconhecidos acontecimentos de toda a história contemporânea, os segmentos contra-revolucionários da sociedade (com as suas marionetas políticas PS/PSD/CDS) preparam-se para concluir a tarefa histórica de enterrar a revolução. Nada de novo, afinal: qual foi a revolução que não acabou morta? Se em todas as épocas existiram revolucionários é porque é sempre necessário refazer as revoluções perdidas, prepará-las, semeá-las novamente.
A imprensa tem revelado um sintoma particularmente evidente de que o 25 de Abril foi definitivamente enterrado: como no tempo do fascismo, são agora as instituições de caridade, elogiadas e apresentadas como a parte mais virtuosa da sociedade, que matam o frio e a fome aos pobres. Como revelam com pompa os noticiários, é a caridade católica fascista quem vem desempenhar o papel ‘redistribuidor’ deixado vago pela demissão do estado revolucionário.
O fascismo voltou. E os pobres, alguns pobres claro, voltarão a ter a sua sopinha quentinha e uma mantinha para pôr pelas costas.
Com o regresso do fascismo, volta a pobreza. Para ficar.
Na aldeia onde vivo, há cinco anos ainda existiam três padarias a produzir diariamente pão, algumas a lenha. Uma estava a quarenta metros de casa. Hoje não resta nenhuma porque a ASAE prefere que os meus filhos comam Panrico ao pequeno almoço. Um vendedor muito conversador que, de tempos a tempos, costumava aparecer na sua carrinha a vender roupa ‘made in Portugal’ (por 25,00€ vendia umas calças de lã que, para lá de durarem uma eternidade, faziam com que graus negativos parecessem uma braseira) acabou com o negócio.
Na cidade mais próxima, o barbeiro onde costumava fazer a barba já fechou as portas. Nessa mesma cidade, a única pastelaria “que ainda fabrica pastéis à moda antiga”, como diz o pasteleiro, foi posta à venda. E o café centenário onde às Segundas bebo o meu poejo fecha na próxima semana; a taberna na rua ao lado com a sua atmosfera acolhedora e familiar em 2013 tão pouco terá as portas abertas.
Há todo um Portugal que silenciosamente está a desaparecer. Rapidamente. Os pequenos comerciantes com os seus antigos negócios dão lugar às multinacionais dos shoppings que os média (através de 3000 impactos publicitários diários por habitante) impõem, com as suas mercadorias ‘usa-deita-fora’ produzidas na Ásia.