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Praia artificial dentro do Ocean Dome, Miyazaki, Japão, 1996, Martin Parr

Ultimamente, ouvimos com insistência analistas e dirigentes políticos falarem numa coisa nova em democracia: o ‘arco da governabilidade’ (se googlarmos ‘arco da governabilidade’, por exemplo entre os anos de 2003 e 2005, não encontramos um único registo; a expressão foi acabada de inventar). Os partidos que compõem este suposto arco são-nos apresentados como os únicos em quem devemos confiar o nosso voto, por terem já demonstrado ser os únicos ‘capazes de governar’, ‘aptos ao exercício da governação’. Onde é que os portugueses já ouviram este discurso que não leva a mais nada senão à reprodução do poder?

99% dos fazedores de opinião martelam esta nova (e tão velha) máxima fascista: “sejam responsáveis, queiram ser governados apenas por quem já vos governou”.

Ao contrário do que a expressão sugere, o tão badalado ‘arco da governabilidade’ não tem 360°, nem 180°, nem 90°, nem mesmo 45°. Na verdade não se trata sequer de um arco, mas mais exactamente de um ponto. Um ponto de chegada e não de partida, a partir do qual não se chegará a outra coisa que não seja a ele próprio. Por outras palavras, o ponto não leva a lugar nenhum (que não seja ele próprio). Impõe-se desde logo uma conclusão – sobre o ponto da situação em que nos encontramos.

Esta democracia acabou por imobilizar-se em redor de um único ponto, para onde convergem os Senhores da economia, da realpolitik, da cultura, da informação, mas também das paisagens e do território, cada vez mais feudalizado como tenho procurado demonstrar neste blog.

Em 2013, tornou-se evidente que a democracia portuguesa acabou por desenvolver mecanismos muito semelhantes aos do fascismo: uma corrente política-social-económica-mediática única (sem réplica) encontrou o método e a justificação para, democraticamente, se perpetuar no poder.

Em Portugal, os partidos do arco da governabilidade materializam o pensamento único (também ele sem réplica) segundo o qual as pessoas, a cultura, a informação, as universidades, o território e as paisagens se devem submeter aos cálculos gananciosos dos donos da economia ; e, em retorno, este pensamento único (em que a economia pensa pelo conjunto da sociedade) impõe-se através dos partidos do arco da governabilidade.

Como na fotografia de Martin Parr, o poder constrói a sua encenação; ao povo pede-se (os médias pedem-lhe) que se una para pôr em cena esta nova democracia, onde lhe é dada liberdade para tudo, menos para anular o mais ínfimo detalhe da ditadura para onde foi conduzido.

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É costume chamarem ‘sociedade da informação’ ao mundo em que vivemos. Uns, a esmagadora maioria, acreditam na ‘alcunha’. Outros, talvez uma meia dúzia, riem-se; e não conseguem parar.

Ora, nesta sociedade em que a chamada ‘informação’ está de facto 24h ligada à corrente, dá-se uma circunstância caricata: assim que alguém tem em seu poder um conjunto de verdades, cuja divulgação permitiria conhecer em profundidade um qualquer detalhe do estado da economia, da política, da cultura ou da sociedade, esse perigoso alguém é perseguido pelos poderes a que se submete a dita ‘sociedade da informação’.

Edward Snowden obteve hoje asilo temporário na Rússia. Singela (e inesperada) vitória para a verdade, num mundo que a combate com afinco, desde logo em cada noticiário.

O segredo generalizado mantém-se por detrás do espectáculo, como o complemento decisivo daquilo que ele mostra e, se aprofundamos mais as coisas, como a sua mais importante operação.

O simples facto de estar a partir de agora sem réplica deu ao falso uma qualidade completamente nova. É ao mesmo tempo o verdadeiro que deixou de existir quase por todo o lado ou, no melhor caso, viu-se reduzido ao estado de uma hipótese que nunca pode ser demonstrada. O falso sem réplica acabou por fazer desaparecer a opinião pública, que de início se encontrava incapaz de se fazer ouvir; depois, rapidamente em seguida, de somente se formar. Isto acarreta evidentemente importantes consequências na política, nas ciências aplicadas, na justiça, no conhecimento artístico.

(Guy Debord no seu ‘Comentários à Sociedade do Espectáculo’ de 1988)

3441698_6_e770_comment-la-dgse-espionne_5becd1e99c99cf92adfbf272bca3d6fc LEIA O ARTIGO DO LE MONDE

Hoje no Le Monde, por Julian Assange:

Le livre The New Digital Age, (“La Nouvelle Ere numérique”, non encore traduit) est un projet clair et provocateur d’impérialisme technocratique rédigé par deux de ses principaux thaumaturges, Eric Schmidt et Jared Cohen. Dans cet essai, ils créent le nouveau langage de la puissance américaine au XXIe siècle. Ce langage traduit la relation plus proche que jamais qu’entretiennent la diplomatie américaine et la Silicon Valley, M. Schmidt étant le président exécutif de Google, tandis que M. Cohen, ancien conseiller de Condoleezza Rice et d’Hillary Clinton, dirige aujourd’hui le think tank Google Ideas.

LER TODO O ARTIGO

… a maior promotora de desigualdades sociais da contemporaneidade.

Foi-se, a musa inspiradora dos muitos Cavacos que, mundo fora, colocam os territórios à mercê das máfias financeiras.

Foi-se, aquela que escancarou as nossas paisagens ao capital anónimo, o qual desde então devora, uma por uma, todas elas.

Foi-se, e não volta mais!

(Via http://blog.5dias.net/ )

Um dos programas intelectualmente menos estimulantes da rádio pública é o Contraditório (todas as sextas depois das 19h). O Consenso que há décadas governa o país encontra no Contraditório a expressão radiofónica acabada.

No Contraditório, era costume destacar-se a superior participação de Carlos Magno, quem tratava cada um dos políticos portugueses mais conservadores como velhos conhecidos (na verdade, não duvido que fossem vieux compagnons de route). Magno jamais mascarava a sua proximidade e admiração pelos homens (deputados, ministros) que, pelo seu firme compromisso com os interesses económicos entretanto instalados, reduziram o 25 de Abril à miragem distante em que hoje se tornou. Às opiniões de Magno não faltava nenhum dos ingredientes que condimentam o zeitgeist actual.

A mesma marca profunda que esta época deixava na substância esmiuçada pelas suas análises deixava-a também nas próprias análises – as análises do magno comentador e a substância (os factos políticos) a que estas se referiam eram feitas da mesma massa, graças a uma farinha uniformizada, que era importada de Bruxelas e Washington e certificada pela ASAE.

Nomeado presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (pensará o leitor mais inocente: mas como poderá alguém com um pensamento tão tendencioso ‘regular a comunicação social’?), Magno passou o testemunho deste banal pensamento único que inunda (para quase nos afogar) os média a Raul Vaz, que veio ocupar o seu trono, na sala do Contraditório, que vigia e valoriza, uma por uma, as ‘semanas políticas’ deste brando país.

Para R. Vaz, os políticos que comandam os destinos da nação são decisores ponderados, homens justos, equilibrados e responsáveis, que às vezes lá cometem os seus erros, “mas afinal quem não os comete?” O experimentado Doutor Portas, o responsável Doutor Passos Coelho, o inteligentíssimo Doutor Barroso, o honesto Doutor Gaspar, enfim, os respeitáveis Doutores de turno (note-se que para Vaz não é o doutoramento que faz os doutores, é a política) fazem “o que pode ser feito”, “o que as exigentes circunstâncias obrigam”, e é nesse sentido que reformam o nosso Estado.

Este pensamento único de que, antes de simplesmente servir as pessoas, a política deve servir a economia e os seus Senhores (e de que tudo em política deve ser ponderado em função de tal pressuposto) flui tranquilamente pelos média. Não há comentador que o contradiga. Vivemos num tempo sem contraditório. O único contraditório que existe é o da Antena 1, mas este repete-nos, desgraça após desgraça, que quem governa há-de levar-nos a bom porto. Somos nós, aquele milhão que saiu à rua no Sábado, que andamos todos enganados, incapazes de entender que o caminho exclusivo para alcançar o bom porto é aquele para onde nos leva o pensamento único.

Uma vez mais, é Raul Vaz quem tem razão. A sua incomparável sabedoria deve acalmar a nossa indignação: “dentro do barco temos todos de remar para o mesmo lado” (programa de hoje).

Hoje no Le Monde:

Hugo Chavez, un homme diffamé

Par Jean-Luc Mélenchon, député européen ; Ignacio Ramonet, essayiste et journaliste

Hugo Chavez et Jean-Luc Mélenchon, à la clôture du Forum de Sao Paolo, à Caracas, le 6 juillet 2012.

Hugo Chavez est sans doute le chef d’Etat le plus diffamé du monde. À l’approche de l’élection présidentielle au Venezuela, le 7 octobre, ces diffamations redoublent d’ignominie. Tant à Caracas qu’en France. Elles témoignent du désespoir des adversaires de la révolution bolivarienne devant la perspective (que les sondages semblent confirmer) d’une nouvelle victoire électorale de Chavez. Un dirigeant politique doit être jugé sur ses actes, et non sur les rumeurs colportées contre lui. Les candidats font des promesses pour se faire élire ; rares sont ceux qui, une fois élus, les tiennent. Dès le début, la promesse électorale de Chavez a été claire : travailler au profit de ceux, majoritaires dans son pays, qui vivaient dans la pauvreté. Et il a tenu parole.

C’est le moment de rappeler ce qui est vraiment en jeu dans cette élection au moment où le peuple vénézuélien va voter. Le Venezuela est un pays très riche en raison des fabuleux trésors de son sous-sol, en particulier les hydrocarbures. Mais presque toutes ces richesses étaient accaparées par les élites dirigeantes et des entreprises multinationales. Jusqu’en 1999, le peuple n’en recevait que des miettes. Les gouvernements successifs, démocrates-chrétiens ou sociaux-démocrates, corrompus et soumis aux marchés, privatisaient à tout va. Plus de la moitié des Vénézuéliens vivait sous le seuil de pauvreté (70,8% en 1996). Chavez a placé la volonté politique au poste de commande. Il a mis les marchés au pas et stoppé l’offensive néolibérale puis, grâce à l’implication populaire, il a permis à l’Etat de se réapproprier les secteurs stratégiques de l’économie. Il a recouvré la souveraineté nationale. Et a ensuite procédé à une redistribution de la richesse au profit des services publics et des laissés pour compte.

UN ÎLOT DE RESISTANCE DE GAUCHE AU NEOLIBERALISME

Politiques sociales, investissements publics, nationalisations, réforme agraire, plein emploi, salaire minimum, impératifs écologiques, accès au logement, droit à la santé, à l’éducation, à la retraite… Chavez s’est également attaché à la construction d’un Etat moderne. Il a mis sur pied une ambitieuse politique d’aménagement du territoire: routes, chemins de fer, ports, barrages, gazoducs, oléoducs. En matière de politique étrangère, il a misé sur l’intégration latino-américaine et privilégié les axes Sud-Sud, tout en imposant aux Etats-Unis des relations fondées sur le respect mutuel… L’élan du Venezuela a entrainé une véritable vague de révolutions progressistes en Amérique latine, faisant désormais de ce continent un exemplaire îlot de résistance de gauche contre les ravages du néolibéralisme. Un tel ouragan de changements a complètement chamboulé les structures traditionnelles de pouvoir au Venezuela et entrainé la refondation d’une société jusqu’alors hiérarchique, verticale, élitaire. Cela ne pouvait lui valoir que la haine des classes dominantes, convaincues d’être les propriétaires légitimes du pays. Avec leurs amis protecteurs de Washington, ce sont elles qui financent les grandes campagnes de diffamation contre Chavez. Elles sont allé jusqu’à organiser – en alliance avec les grands médias qu’elles possèdent – un coup d’Etat le 11 avril 2002. Ces campagnes se poursuivent aujourd’hui et certains secteurs politiques et médiatiques européens les reprennent en chœur. La répétition étant – hélas – considérée comme une démonstration, des esprits simples en viennent à croire que Hugo Chavez incarnerait “un régime dictatorial où il n’y a pas de liberté d’expression”.

Mais les faits sont têtus. A-t-on déjà vu un ” régime dictatorial “ élargir le périmètre de la démocratie au lieu de le restreindre ? Et donner le droit de vote à des millions de personnes dépourvues jusque là de carte d’électeur? Les élections au Venezuela n’avaient lieu que tous les quatre ans, Chavez en organise plus d’une par an (14 en 13 ans). Dans des conditions de légalité démocratique reconnues par l’ONU, l’Union européenne, l’Organisation des Etats américains, le Centre Carter, etc. Chavez démontre qu’on peut construire le socialisme dans la liberté et la démocratie. Il en fait même une condition du processus de transformation sociale. Il a prouvé son respect du verdict populaire en renonçant à une réforme constitutionnelle refusée par les électeurs lors d’un référendum en 2007. Ce n’est pas un hasard si la Foundation for Democratic Advancement (FDA), du Canada, dans une étude publiée en 2011, situe désormais le Venezuela en tête du classement des pays qui respectent la justice électorale . Le gouvernement d’Hugo Chavez consacre 43,2% du budget aux politiques sociales. Résultat: le taux de mortalité infantile a été divisé par deux. L’analphabétisme éradiqué. Le nombre de professeurs des écoles multiplié par cinq (de 65 000 à 350 000). Le pays détient le coefficient de Gini (qui mesure les inégalités) le plus performant d’Amérique latine. Dans son rapport de janvier 2012, la Commission économique pour l’Amérique latine et les Caraïbes (CEPALC, un organisme de l’ONU) établit que le Venezuela est le pays sud-américain – avec l’Equateur -, qui, entre 1996 et 2010, a le plus réduit le taux de pauvreté. Enfin l’institut américain de sondages Gallup classe le pays d’Hugo Chavez, 6e nation “la plus heureuse du monde”.

Le plus scandaleux, dans l’actuelle campagne de diffamation, c’est de prétendre que la liberté d’expression serait bridée au Venezuela. La vérité c’est que le secteur privé, hostile à Chavez, y contrôle largement les médias. Chacun peut le vérifier. Sur 111 chaînes de télévision, 61 sont privées, 37 communautaires et 13 publiques. Avec cette particularité que la part d’audience des chaînes publiques n’est que de 5,4%, celle des privées dépassant les 61% … Même chose pour la radio. Et 80% de la presse écrite sont contrôlés par l’opposition ; les deux quotidiens les plus influents – El Universal, El Nacional – étant hostiles au gouvernement. Tout est, certes, loin d’être parfait dans le Venezuela bolivarien. Où existe-t-il un régime parfait ? Mais rien ne justifie ces campagnes de mensonges et de haine. Le nouveau Venezuela est la pointe avancée de la vague démocratique qui a balayé les régimes oligarchique de neuf pays dès le lendemain de la chute du mur de Berlin quand d’aucuns annonçait “la fin de l’histoire” et “le choc des civilisations” comme seuls horizons pour l’humanité. Le Venezuela bolivarien est une source d’inspiration où nous puisons sans aveuglement ni naïveté. Mais avec la fierté d’être du bon côté de la barricade et de réserver nos coups à l’empire malfaisant des Etats Unis et de ses vitrines si chèrement protégées au Proche-Orient et partout où règnent l’argent et les privilèges. Pourquoi ses adversaires en veulent-ils tant à Chavez ? Sans doute parce que, tel Bolivar, il a su arracher son peuple à la résignation. Et lui donner l’appétit de l’impossible.

Jean-Luc Mélenchon, co-président du Parti de gauche, député européen ; Ignacio Ramonet, président de l’association Mémoire des luttes, président d’honneur d’Attac.

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Os jornais ‘de referência’ europeus (Público, El País, etc.) aproveitam a ocasião para a propaganda mais suja e primária (chega a ser cómica de tão primária, como o comentário inflamado da directora do Público) contra um dos raros dirigentes mundiais que governou de acordo com o programa eleitoral que foi apresentado aos eleitores do seu país (convém lembrar que Passos Coelho governa com um programa que nunca foi apresentado a nenhum de nós e assim sucede nas restantes nações ‘democráticas’). Neste quadro, bem exemplificativo dos compromissos ideológicos dos média ‘de referência’ europeus, o Le Monde é o único jornal que mantém alguma decência, abrindo espaço para o contraditório.

Foi num qualquer dia de 2011 que, às quatro e meio da manhã, uma centena de homens armados, contratados pelo governo local, arrasaram e desfizeram toda uma favela que se procurava reerguer após um terrível incêndio que deixara dezenas de pessoas sem abrigo.

Apesar de raramente terem a honra de receber a luz dos focos do espectáculo informativo, que não costuma dedicar-lhes demoradas reportagens, as favelas são habitadas por cerca de um sexto da população mundial. Ouviu bem: um sexto!

Periodicamente, uma boa parte delas (com a notável excepção das que, por se converterem em atracção turística, são absorvidas pelo capitalismo, como sucede actualmente no Rio) são visitadas por bulldozers, ou por homens mascarados de bulldozers, que as arrasam para que no seu lugar possa dar à luz mais um filho da imparável sociedade do espectáculo: um condomínio fechado, uma urbanização, um shopping, um estádio de futebol, uma auto-estrada, um aeroporto – que é o mesmo que dizer uma genial obra de arquitectura contemporânea.