Archives for the month of: Julho, 2013

“A historicamente irresponsável indústria de mineração da Austrália teve uma nova ideia: em meio da catástrofe das mudanças climáticas que assolam o nosso planeta, decidiram construir o maior complexo de mineração de carvão do mundo e, além disso, construir uma rota para o transporte que atravessa o maior tesouro ecológico que nós temos: a Grande Barreira de Corais!” (AVAAZ)

Este escândalo é apenas um entre tantos outros que permite ilustrar a maior crítica (ecológica, mas não só) que podemos fazer ao capitalismo: um regime irresponsável (é sintomático que a palavra ‘responsabilidade’ encha diariamente a boca dos seus dirigentes) onde o planeta é percebido como um recurso estável e infinito, (ab)usado para ser explorado e vendido; e não como um recurso frágil e finito do qual não deveria ser feito uso senão para se construir a grande casa comum da humanidade (não deveria ser outra a missão da política), aberta a todos, ‘sustentável’ (como é agora moda dizer-se), sadia, capaz de proporcionar bem estar ao maior número de pessoas.

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Vista aérea da Grande Barreira, Anthony Johnson, Getty Images

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Vilamoura, Algarve, foto promocional

Um artigo do jornal Público revelava hoje, com despudorado detalhe, num texto assinado por Andreia Marques Pereira, os Segredos da costa alentejana, “um dos últimos refúgios europeus”. Imediatamente pensei: será que estes palhaços dos média não se dão conta de que um segredo, uma vez publicado (reproduzido através de milhares de cópias), se dilui, se desfaz, caminha a passos largos para a sua extinção? E aquilo que se encontrava conservado, mantido à margem do espectáculo, é subitamente devassado pelas águas furiosas e devastadoras do grande rio da mercantilização e do consumo…

A jornalista do Público, que (para simplificar os passeios dos seus milhares de leitores) até revelou as coordenadas gps de cada um dos “últimos segredos do litoral alentejano”, está consciente de que as consequências destas praias singulares ganharem muita divulgação “podem ser danosas, o fantasma do desvario algarvio“, escreve ela (e eu apenas sublinho). O seu contributo mediático concorre pois para a propagação do ‘desvario algarvio’ pelas nossas costas quase virgens.

Contributo paradoxal, de facto: enquanto celebra a beleza intacta das últimas pérolas das costas europeias, acelera a sua dilapidação. Nenhuma novidade, infelizmente: apenas mais uma irracionalidade da mediatização que, sem jamais medir as consequências arrasadoras daquilo que diz, dá o seu imprescindível contributo para a fatal e inexorável extensão do império da mercadoria, retirando das margens deste, um por um, os territórios, as paisagens e os lugares que ainda não tinham sucumbido a esta autoridade suprema.

(Será que não se arranja um trabalhinho, ou um biscate como agora se diz, para esta simpática jornalista na redacção do Lonely Planet, publicação especializada como nenhuma outra em eliminar as margens que ainda subsistem face à influência irresistível e unificadora da mercadoria?)

E eis que, no meio da maior miséria, ela irrompe:

“(…) o chão era em cimento, era muito insalubre, depois quando chovia os pais tinham que se levantar porque com a degradação das casas já nos chovia em cima. Punham plástico. Foram realmente uns anos dramáticos (…) A nossa felicidade existia porque nos dávamos muito bem com todos [no bairro]”.

Relato de Jorge Fonseca, sobre o seu passado no bairro da Relvinha em Coimbra (nos anos 50/60), recolhido por João Baía e publicado em ‘SAAL e autoconstrução em Coimbra’ (pág. 54), 2012, edição 100 Luz.

(A experiência diz-me que, no meio do isolamento a que conduzem o luxo e do fausto, a felicidade se converte num bem mais raro…)

O homem português adora ‘ver as notícias’. Despede-se dos amigos e lá vai ele, sisudo e apressado, ver as notícias.sic_2009-12-31_130445

Gosta de vê-las em casa. Às 13h ou às 20h, tanto lhe faz. Se a comida não está pronta, senta-se no sofá. Mas o que ele gosta mesmo é de vê-las da mesa de jantar, por entre os vapores que fumegam do prato e a acústica ambiente da família que paira igualmente no ar: “cala-te! não vês que estou a ver as notícias…” grita ora para o filho ora para a mulher.

Em Portugal, as notícias ‘vêem-se’. Enxergam-se. Observam-se. Contemplam-se. Só os cegos não sabem o prazer e a calma interior que advêm de ‘ver as notícias’. Em muitos restaurantes em que durante as refeições se tira o som à televisão, as pessoas – donos, empregados, clientes – olham à mesma fixamente para elas, ainda que não as possam ouvir; apenas contemplá-las. E lá ficam a ‘ver as notícias’: o discurso de Cavaco Silva, o terramoto na Índia, as paragens de autocarro cheias de pessoas indignadas pela greve e o comboio que descarrilou algures; os incêndios, Obama de visita a um país asiático, pescadores desaparecidos e os golos de uma final; banhistas numa praia do Algarve, a fábrica que exporta mais sapatos para o Brasil e o aniversário do elefante mais velho do zoológico de Tóquio.

O homem português ‘vê’ as notícias (as suas cores, movimentos, explosões, poses, penteados… enfim, há tanto para ‘ver’ nas notícias) de um mundo que não compreende; e é justamente por não compreender que ele gosta tanto de vê-las, uma e outra vez, ad aeternum, à espera que a continuação solucione o enigma, como sucede com as novelas. As imagens do noticiário, em vez de levarem a realidade do seu mundo e da sua vida ao homem português, levam o homem português ao mundo novelesco dos média, um mundo que lhe é em tudo exterior e onde o que é representado são eventos marcantes, espectaculares, sempre repetidos e sempre distantes do observador, ou seja, desligados da vida de quem observa, como se se tratassem de fragmentos de um filme de Hollywood que o realizador deixou desconexo e inacabado.

As cidades polacas oferecem diversos atractivos ao homem da Rzeczpospolita Polska, para perder-se nas suas imprevisíveis derivas urbanas. Atractivos infinitamente mais interessantes do que as montras pseudo-fashion das lojas e restaurantes frequentados pelos 9 milhões de turistas anuais de Cracóvia…

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