Archives for category: O fascismo está de volta

Um pouco por todo o país, o fenómeno em curso e já aqui tratado da feudalização do território é geralmente acompanhado pela exportação de um mau gosto que os betinhos das cidades fazem chegar à província, às aldeias, ao campo.

Em tudo o que as mãos destes betinhos tocam, aparece esse mesmo mau gosto que reproduz uma curta gama de clichés, frequentemente associados a uma ideia cristalizada do ‘rústico’.

Ora, o ‘rústico’ é precisamente uma invenção dos betinhos das cidades que, quando chegam à província, ao campo, decoram as suas casas de fim de semana e hotéis de acordo com uma estética campestre idealizada. Uma estética campestre filtrada pelo imaginário rudimentar dos betinhos que, secretamente (ou cada vez menos secretamente), gostariam que o país voltasse ao que era antes de 1974.

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Praia artificial dentro do Ocean Dome, Miyazaki, Japão, 1996, Martin Parr

Ultimamente, ouvimos com insistência analistas e dirigentes políticos falarem numa coisa nova em democracia: o ‘arco da governabilidade’ (se googlarmos ‘arco da governabilidade’, por exemplo entre os anos de 2003 e 2005, não encontramos um único registo; a expressão foi acabada de inventar). Os partidos que compõem este suposto arco são-nos apresentados como os únicos em quem devemos confiar o nosso voto, por terem já demonstrado ser os únicos ‘capazes de governar’, ‘aptos ao exercício da governação’. Onde é que os portugueses já ouviram este discurso que não leva a mais nada senão à reprodução do poder?

99% dos fazedores de opinião martelam esta nova (e tão velha) máxima fascista: “sejam responsáveis, queiram ser governados apenas por quem já vos governou”.

Ao contrário do que a expressão sugere, o tão badalado ‘arco da governabilidade’ não tem 360°, nem 180°, nem 90°, nem mesmo 45°. Na verdade não se trata sequer de um arco, mas mais exactamente de um ponto. Um ponto de chegada e não de partida, a partir do qual não se chegará a outra coisa que não seja a ele próprio. Por outras palavras, o ponto não leva a lugar nenhum (que não seja ele próprio). Impõe-se desde logo uma conclusão – sobre o ponto da situação em que nos encontramos.

Esta democracia acabou por imobilizar-se em redor de um único ponto, para onde convergem os Senhores da economia, da realpolitik, da cultura, da informação, mas também das paisagens e do território, cada vez mais feudalizado como tenho procurado demonstrar neste blog.

Em 2013, tornou-se evidente que a democracia portuguesa acabou por desenvolver mecanismos muito semelhantes aos do fascismo: uma corrente política-social-económica-mediática única (sem réplica) encontrou o método e a justificação para, democraticamente, se perpetuar no poder.

Em Portugal, os partidos do arco da governabilidade materializam o pensamento único (também ele sem réplica) segundo o qual as pessoas, a cultura, a informação, as universidades, o território e as paisagens se devem submeter aos cálculos gananciosos dos donos da economia ; e, em retorno, este pensamento único (em que a economia pensa pelo conjunto da sociedade) impõe-se através dos partidos do arco da governabilidade.

Como na fotografia de Martin Parr, o poder constrói a sua encenação; ao povo pede-se (os médias pedem-lhe) que se una para pôr em cena esta nova democracia, onde lhe é dada liberdade para tudo, menos para anular o mais ínfimo detalhe da ditadura para onde foi conduzido.

3441698_6_e770_comment-la-dgse-espionne_5becd1e99c99cf92adfbf272bca3d6fc LEIA O ARTIGO DO LE MONDE

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Hoje no Le Monde:

Quatrième nuit d’émeute à Stockholm

Des pompiers éteignent un véhicule incendié, le 21 mai, à Kista, dans la banlieue de Stockholm.

Incendies de voitures, bris de vitres et jets de pierre : la Suède a connu, mercredi soir, une quatrième nuit de violences dans des quartiers défavorisées de la banlieue de Stockholm. Malgré l’appel au calme lancé par le premier ministre, les émeutiers sont à nouveau sortis dès la tombée de la nuit mercredi, les violences se déplaçant de Husby, au nord de Stockholm, vers le sud. La capitale suédoise avait déjà été touché par des troubles en 2010, avec l’attaque d’un commissariat et des incendies à Rinkeby, autre quartier défavorisé de Stockholm, par près d’une centaine de jeunes.

Le feu a été mis à un commissariat de police à Rågsved, dans la banlieue sud de Stockholm, a annoncé la presse locale. Il n’y a pas eu de blessé et le feu a pu être rapidement éteint. A Hagsätra, un autre quartier du sud de Stockholm, une cinquantaine de jeunes ont lancé des pierres à la police et brisé des vitres, pour ensuite s’éparpiller dans différentes directions. Des violences ont également eu lieu dans le sud du pays. A Malmö, deux voitures ont été incendiées, a annoncé la police.

Au total en quatre nuits, des magasins, des écoles, une commissariat de police et un centre culturel ont subi des dégâts. Un policier a été blessé dans les dernières violences et cinq personnes ont été arrêtées pour tentative d’incendie.

Les émeutes ont été déclenchées par la mort d’un homme de 69 ans dans la banlieue d’Husby, tué par la police alors qu’il brandissait une machette, ce qui a déclenché des accusations de brutalité policière. Les troubles se sont ensuite étendus de Husby, où vivent de nombreux immigrés, à d’autres banlieues pauvres de Stockholm.

Les émeutes sont pour l’instant moins graves que celles des deux derniers étés au Royaume-Uni et en France mais sont là pour rappeler que même dans des lieux moins touchés par la crise financière que la Grèce ou l’Espagne, les pauvres, et en particulier les immigrés, ressentent durement les politiques d’austérité.

“Je comprends pourquoi beaucoup de gens qui vivent dans ces banlieues et à Husby sont inquiets, en colère et préoccupés”, a déclaré la ministre de la justice, Beatrice Ask. “L’exclusion sociale est une cause très importante de nombreux problèmes. Nous comprenons cela.” Après des décennies de “modèle suédois” fondé sur un Etat providence généreux, le rôle de l’Etat en Suède a fortement diminué depuis les années 1990, entraînant la hausse des inégalités la plus forte de tous les pays membres de l’OCDE.

Près de 15 % de la population suédoise est d’origine étrangère – la proportion la plus élevée de tous les pays scandinaves. Le taux de chômage touchant cette population est de 16 %, contre 6 % pour les Suédois, selon les chiffres de l’OCDE. Le journal de gauche Aftonbladet qualifie “d’échec cuisant” les politiques gouvernementales, qui ont, écrit-il, soutenu le développement des ghettos dans les banlieues.

L’extrême droite a dénoncé une politique d’immigration “irresponsable”. Signe des tensions croissantes, les démocrates suédois se classent en troisième place dans les sondages en vue des élections législatives de l’an prochain.

Para 9 milhões é mais ou menos assim:

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Para 1 milhão:

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Para 100 mil:

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E para mil não há-de fugir muito disto:

Como a escravatura é uma das formas possíveis e cada vez mais actuais de nos vincularmos a esta sociedade e à vida moderna, um escritório de arquitectura de Vila Verde (Minho), em perfeita sintonia com o zeitgeist, decidiu elaborar o seguinte concurso:

Regulamento / Concurso Arquitetura Atelier

Regulamento

 

Artigo Primeiro

(Objetivo e Designação)

1-      O Concurso de Arquitetura «atelier» visa estimular a criatividade, inovação e conhecimento técnico de jovens arquitetos, com idade inferior a 35 anos.

2-      O Concurso tem dois objetivos distintos:

  1. a)Por um lado a elaboração de um projeto de uma moradia a custos controlados;
  2. b)Por outro um projeto livre onde a inovação, a criatividade e o arrojo sejam a premissa base.

3-      No âmbito do concurso são atribuídos dois prémios:

  1. a)O primeiro classificado ganha a oportunidade de um emprego com um período de experiência de dois meses;
  2. b)O segundo classificado fica com direito a um estágio no «atelier – Arquitectura e Engenharia» em Vila Verde, Braga.
  3. c)Todos os participantes recebem um certificado de participação.

4-      A atribuição dos prémios é feita por um Júri composto nos termos que constam do presente regulamento.

Artigo Segundo

(Elegibilidade)

1-      Podem participar no «Concurso de Arquitetura atelier», todos os jovens arquitetos com idade inferior a 35 anos e com licenciatura acreditada junto da Ordem dos Arquitetos.

2-      Os trabalhos apresentados serão entregues nos locais e prazos definidos neste regulamento e não serão admissíveis quaisquer atrasos, mesmo que justificados por fatores que não sejam da responsabilidade dos concorrentes.

3-      Só serão admitidos trabalhos realizados de forma individual.

4-      Não serão admitidos trabalhos a concurso cujo autor tenha relações profissionais, familiares ou pessoais com os arquitetos do «atelier – Arquitectura e Engenharia», sob pena de poderem ser excluídos em qualquer momento do presente concurso.

5-      Os trabalhos a concurso devem obedecer aos seguintes requisitos:

  1. a)Para a habitação a preços económicos deve-se ter em atenção o seguinte: a habitação destina-se a uma família da classe média portuguesa, com dois filhos; um dos elementos é trabalhador liberal (por exemplo: jornalista free lancer), a viver na periferia da cidade de Braga.
  2. b)No segundo caso, pretende-se o desenvolvimento de um projeto arquitetónico de tema livre, onde impere a inovação e a criatividade em cumprimento com a legislação vigente.

Artigo Terceiro

(Critérios de Avaliação)

1-      São aspetos relevantes em apreciação:

  1. a)O conceito arquitetónico;
  2. b)A criatividade demonstrada nos trabalhos apresentados;
  3. c)A cultura arquitetónica e capacidade técnica demonstrada nos trabalhos apresentados;
  4. d)A exequibilidade técnica, financeira e comercial da solução proposta.

Artigo Quarto

(Júri)

1-      O Júri do «Concurso de Arquitetura atelier» é presidido pelo arquiteto César Almeida e composto pelo João Luís Nogueira, Diretor-Geral da Escola Profissional Amar Terra Verde, José Carlos Ferreira, do Instituto de Emprego e Formação Profissional, José Morais, presidente da Associação Empresarial de Vila Verde (AEViVer); Eduarda Oliveira, Diretora-Geral e coordenadora do Departamento de Engenharia do «atelier – Arquitectura e Engenharia», César Lopes, coordenador do Departamento de Arquitetura do «atelier – Arquitectura e Engenharia» e Daniela Oliveira, arquiteta paisagista do «atelier – Arquitectura e Engenharia»;

2-      Todas as decisões do Júri são válidas por maioria, sendo obrigatória a presença de 5 dos elementos que o compõem;

3-      Serão evitados os empates de votação, procedendo a diversos momentos de votação. Caso um empate persista o presidente tem voto de qualidade.

[…]

Artigo Sexto

(Candidaturas)

As candidaturas ao Prémio terão que cumprir as seguintes condições:

1-      Os candidatos têm de se inscrever obrigatoriamente no concurso até ao dia 28 de Fevereiro de 2013 e para tal têm que respeitar as seguintes diretrizes:

  1. a)Preencher o formulário AT13 e devolvê-lo para o email constante na respetiva ficha e acompanhado dos documentos: Cópia do Cartão de Cidadão, Certificado de Habitações, Curriculum Vitae e número de inscrição na Ordem de Arquitetos (caso se aplique);
  2. b)Todos os inscritos serão notificados via email da receção da sua inscrição.
  3. c)No dia 4 de Março será publicado em http://www.atelier.pt a lista de candidatos admitidos a concurso. Todos os candidatos serão notificados via email da sua admissão a concurso.

 

2-      Os trabalhos a entregar devem obrigatoriamente conter os seguintes elementos:

  1. a)Plantas, Cortes, Alçados, Perfil Longitudinal e Transversal à escala 1:100;
  2. b)Legenda dos espaços e quadro de áreas uteis e brutas;
  3. c)Memória descritiva das opções tomadas ocupando o máximo de 3 páginas A4;
  4. d)Programa Base;
  5. e)Programa Financeiro;
  6. f)Imagens em 3D de exteriores e interiores;
  7. g)Projeto de arranjos exteriores;
  8. h)Outros desenhos, gerais ou de pormenor, que o concorrente entenda necessários para explanar a sua proposta, quer em aspetos gerais, quer em aspetos construtivos relevantes para a solução apresentada;
  9. i)CD com toda a documentação necessária para o Concurso, referenciada em pastas e sempre com o código presente.
  10. j)Ficha técnica do projeto em formato A4 com a indicação do autor e cópia do formulário AT13 disponibilizado aquando da inscrição.
  11. k)Os trabalhos são anónimos. Todas as páginas das peças desenhadas e escritas deverão conter no canto inferior direito um código escolhido pelo candidato, constituído por oito dígitos diferentes cuja ordem não seja crescente e ou decrescente. (Ex. 15482824)
  12. l)Nenhuma das peças deverá conter o nome do candidato ou símbolo que o identifique, ficando sujeito a desclassificação.

[…]

O presente Regulamento foi elaborado e aprovado pelo « atelier – Arquitectura e Engenharia»

Vila Verde, 31 de Dezembro de 2012

A administração:

Filipe Brito, Arq.                       Jorge Pereira, Arq.

[Via http://blog.5dias.net ]

Esse país chama-se Portugal e o seu governo, que professa aquela corrente do não-pensamento segundo a qual ‘tudo o que existe pode e deve ser vendido às novas elites feudais‘, acaba de inaugurar um portal para atrair compradores chamado

O seu país está à venda em http://www.livinginportugal.com/en/

Encontre o seu país à venda em http://www.livinginportugal.com/en/

e conheça os benefícios fiscais (sim, afinal este governo também sabe conceder benefícios fiscais!), bem como todas as outras estratégias e imagens usadas para seduzir potenciais compradores:

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E descubra assim mais um projecto do governo para 2013, ano a vários títulos promissor: destinar os territórios mais privilegiados de Portugal a feudos das elites internacionais.

Definitivamente, o feudalismo entrou na moda – um novo género de feudalismo, é claro, mas que reproduz as mesmíssimas desigualdades no acesso aos recursos do território do feudalismo medieval. Acho que é um bom tema para irmos explorando ao longo de 2013. Já que mais ninguém o faz…

Estará o feudalismo na moda?

Buscará a elite do sistema neo-liberal inspiração nesse período da história em que a respectiva classe dominante, a aristocracia fundiária, baseava o seu poder absoluto no controlo hegemónico dos territórios economicamente interessantes, dos quais dependia um campesinato miserável que neles trabalhava? Lembremos apenas que, nesse período da idade Média, os territórios com maior potencial económico concentravam-se nas mãos de uma elite que possuía relações privilegiadas com o poder monárquico, o qual dela era dependente.

Hoje, a concentração esmagadora nas mãos de uma elite dos recursos mais estratégicos do território (monumentos históricos reconvertidos em pousadas, termas reconvertidas em spas, portos de pesca reconvertidos em marinas…) está a atingir níveis, porque não dizê-lo, feudais. Se Salazar lia Hitler e Passos lê Salazar, porque raio a elite dos tempos que correm não poderia buscar inspiração nos Senhores feudais?

Mudam-se os tempos, mas nem sempre as vontades. E hoje, como no século X, reafirma-se no topo da sociedade uma intrépida vontade em aceder à posse de tudo quanto o planeta de melhor tem para dar no que respeita a recursos estratégicos do território. As paisagens mais deslumbrantes são particularmente cobiçadas: é no seu seio que uma nova elite, filha dos negócios da república mas que paradoxalmente odeia os fundamentos da res publica, procura estabelecer as suas fortalezas privadas.

Bom Sucesso Architecture Resort, Leisure & Golf , cujo masterplan foi (julgando pelo que se ouve no vídeo promocional do resort) “desenhado pelo maior gabinete de projectos de resorts do mundo”, é uma espécie de feudo contemporâneo onde coexistem:

  • uma área vedada de 150 hectares
  • condições de privacidade para cada proprietário
  • um campo de golfe ‘championship’ de 18 buracos
  • um spa
  • um clube de ténis
  • uma zona comercial
  • proximidade do mar e da lagoa de Óbidos
  • segurança 24h

Quer isto dizer que, sem pôr um pé fora do feudo de que é co-proprietário, cada Senhor dispõe de um vasto mundo para explorar onde, como num feudo medieval, não está autorizado a entrar quem não pertence à sua classe social a não ser para prestar-lhe algum serviço específico: cortar a relva, limpar a casa, preparar o almoço, vigiar o empreendimento…

O feudalismo está definitivamente na moda.