Eis uma pergunta que sempre (me) coloquei.
De onde virá essa aversão que, tornando-se tão explícita nas suas obras, os celebérrimos arquitectos contemporâneos denotam pela paisagem? Porque é que todas as suas obras (haverá excepções? uma que seja?) procuram aniquilar, neutralizar a presença perturbadora da paisagem? Será apenas como forma de destacar, sublinhar, exaltar o edifício-jóia de que são os singulares criadores? Será então como forma de se exaltarem a si próprios? Por outras palavras: estará a masturbação na essência da sua arte de construir? Ou ainda: serão as jóias da arquitectura contemporânea os órgâos genitais dos arquitectos?
A definição mais difundida de arquitecto contemporâneo, segundo a qual este é aquele “que veste de preto mas projecta em branco”, parece-me divertida mas demasiado exígua, se comparada com aquela outra que diz que arquitecto contemporâneo é aquele “que, mais do que qualquer outro, odeia a temporalidade, a história, a tensão, a violência, a pátina, mas também, o que é mais grave, os pobres utentes (marionetas?) dos seus imaculados edifícios-jóias”; enfim, trata-se daquele que estende o seu ódio, sem jamais escondê-lo, a tudo o que transporta o cheiro (des)agradável e excessivo da vida. Acho que foi justamente isso que, aos vinte anos, me levou a escrever um violento manifesto anti-arquitectura contemporânea – doze anos depois, não creio que faça falta alterar-lhe alguma vírgula.
Não é pois de espantar que os arquitectos contemporâneos odeiem também a paisagem, nomeadamente quando esta adquire a forma de um jardim. A sensualidade (que raramente procuram nas suas obras) é um dos seus alvos predilectos. Doravante, o mundo deverá prescindir dela. Eu, para não prescindir da sensualidade, optei por prescindir da arquitectura contemporânea.
Caro leitor, o que foi feito da paisagem em todas estas fotos, em todos estes projectos, em todas estas obras?
A resposta é muito simples: a paisagem foi reduzida à sua função primordial de criar um cenário neutro, indiferente, vago, sem expressão própria, para os diversos edifícios-jóias, como se aquela fosse simplesmente uma sala vazia e estéril no interior de um museu de arte contemporânea onde se expõem preciosas obras de arte.
Precisamente: a arquitectura contemporânea converte as paisagens em salas de museus. Motivo mais do que suficiente para levar-nos a desconfiar dela.
Os arquitectos consideram que Deus terá sido um sujeito responsável por criar os utilizadores do universo que eles estão a criar.
Cara Ana,
Projectarão então os arquitectos contemporâneos em nome de Deus?
É uma possibilidade que ainda não me tinha ocorrido… Mas ajudaria a explicar, entre outras coisas, a ausência de sensualidade da esmagadora maioria da arquitectura contemporânea.
A visão do arquitecto como co-criador do mundo, junto com deus, através de objectos “divinamente” perfeitos é coisa que vem já do renascimento. Mas na altura, como a imagem de Vitrúvio (arq. romano) demonstra, o homem era visto como o “a medida de todas as coisas”. Bem depois disso apareceu o modernismo (e atenção que há modernismo bem mais “humanista” que “objectual”), e depois a sociedade do espectáculo. O que no geral, aprofundou esta ideia da arquitectura enquanto objecto. (estou a ser injusto ao generalizar, porque aparecem sempre correntes de resistência, algumas até com referências bem portuguesas. Mas continuo com a generalização.)
Com o advento do digital, só veio piorar tudo, pois cada vez mais os alunos de arquitectura concebem as suas obras num mundo tridimensional que não tem escala, não tem pessoas, não tem paisagem, não tem nada. Pedagogia perfeita, portanto para criar algumas das cacas que este post tão bem refere.
Devo advertir, no entanto, que discordaria de alguns dos exemplos. Mas como seria necessário aprofundar demasiado, fica assim. 😉