Há em Portugal infinitos sintomas de estar em curso um rápido, diria mesmo fulgurante, processo de elitização da paisagem. Sem despoletar críticas nem acender discussões, num país sem tradição na reflexão sobre a paisagem, a proliferação de resorts turísticos por longas extensões da costa e por outras paisagens igualmente singulares traduz uma nova fase na história da luta de classes em Portugal, fase esta em que as classes dominantes decidiram apoderar-se de TODA a paisagem não-poluída, fértil, formosa, mercantilizável. Digo TODA.
Na ocupação das zonas mais privilegiadas do território por condomínios privados, detecta-se o mesmo fenómeno de apropriação, de posse da paisagem por uma elite. Vai longe o 25 de Abril: de um lado, a densidade habitacional da Reboleira, das Olaias, da Damaia; do outro, as áreas generosas dos condomínios, sabiamente integrados em paisagens manipuladas para agradar ao olho analfabeto do novo-rico.
Na concessão dos pontos mais vantajosos de acesso à costa marítima a marinas e portos de recreio, voltamos à mesma constatação: o país mais desigual da Europa Ocidental é-o também no acesso aos recursos mais privilegiados da sua paisagem.
Caríssimo Pedro Duarte,
Mas não será mais correcto referir a construção de uma paisagem em vez da ocupação da paisagem!? (Que dizer do milheiral, dos pomares, das hortas, das refinarias de petróleo e dos edifícios de 20 e 30 andares)
Porque é que serão apenas evidentes os sinais de posse, ostensiva, após a “edificação” de elementos que construam a paisagem!!?? Poderiamos de outro modo falar, verdadeiramente, em posse fundiária!!??
Porque não construir (desconstruir e destruir, poluir, consumir…) a paisagem, porque não prosperar!!??
Cordialmente,
Caro Justiniano,
Obrigado pela atenção que dispensou ao tema. Gostaria de responder às suas questões, mas, para eu não acertar em cheio ao lado, importa-se de concretizar um pouco melhor a sua linha de raciocínio?
(mas deixo já uma ideia: para o homem, ‘ocupar’ implica sempre ‘construir’ – mesmo que essa construção seja ‘apenas’ simbólica. E vice-versa: ‘construir’ implica ‘ocupar’)
Saudações cordiais
é pá! a damaia é melhor que 99 % desses resorts com paisagens previligiadas…
de acordo
Caríssimo Pedro Duarte, antes de mais, eu é que lhe agradeço!
As questões serão muitas e imprecisas, tem e terá toda a razão, relacionam-se em todos os seus posts e em muitos outros mais, com a paisagem de fundo na filosofia, na arte e na política!!
As questões que coloquei aqui, à laia de pequeníssima provocação, estão ligadas à questão de princípio sobre a legitimidade da apropriação fundiária, individual e colectiva, e consequentemente sobre a justeza da peremptoriedade da posse e dos seus subjacentes encimados pela propriedade!!
Porque numa tresleitura, intuitiva, dos seus posts, poderíamos inferir que neste Portugal, de hoje, se reconstrói uma refeudalização do território ou que será ilegítima a posse privativa da terra e o domínio magnífico sobre a geografia, que estaria apenas justificadamente pacificada quando jacente!! Ou estaremos na pragmática discussão de ordenamento do território, ambiente e economia, que consabidamente densifica um conjunto de princípios e tensões desses mesmos!!??
Gostei também da ideia de celebração da paisagem como ideia legitimadora de poderes (recorrente também na história da arte)!! A paisagem que se ama e que se sacrifica, o poder como função magnificiente que se legitima na identificação com a paisagem e simultaneamente com a destruição (, exploração, modificação, desconstrução, construção….) da mesma, ou melhor, com o ostensivo domínio sobre a geografia, paisagem culturalmente apreendida!! Manutenção e mudança!! A prudencia e a aparente arbitrariedade que se admite ao poder!!
Um bem haja para si,
Caro Justiniano, gosto desta sua leitura.
Reparei também, caro Pedro Duarte, na subtileza do seu parêntesis, na animação da ocupação!! Mas, creio eu, que tal traduzirá apenas uma detenção frugal, precária e consequentemente desalmada ou desprovida do animo necessário à construção da paisagem!!
Será assim!!? Digo isto porque me parece que o caro Pedro Duarte estabelece e compreende, no post, essa transitoriedade da ocupação para a apropriação, como se a apropriação fosse a consagração definitiva da ocupação abstracta e transitória!!
Caro Justiniano,
Vejo o acto de ocupar sempre como uma construção e simultaneamente como uma apropriação. Isto é, para ‘ocupar’, como diria Eliade, temos primeiro de integrar o mundo à nossa volta numa ‘construção’ que começa sempre por ser simbólica (trata-se integrá-lo num cosmos), mas que geralmente encontra tradução também num plano físico, material, sensorial. Esta construção (simbólica e, eventualmente, física) implica ainda uma apropriação. Construir o mundo, para dominados e dominantes, implica sempre alguma forma de apropriação. No caso dos dominantes, que tratei no ‘post’, que são hoje quem mais interfere na paisagem portuguesa (repare que até as auto-estradas e o TGV, afinal de contas, vêm servir os seus estilos de vida), essa apropriação é total.
a palavra ‘apropriado’ tem, curiosamente, dois sentidos – que em certo sentido são opostos. e as palavras falam mais do que nós estamos habituados a supôr.
de certa maneira, todo o espaço só se converte num ‘lugar’ mediante essa ocupação integrada, como dizes. num lugar, quer dizer, num micromundo único, vivo, com alma e sentido e distância e proximidade. um ‘aqui’ que não existe em mais sítio nenhum, um ‘aqui’ que se funde no ‘agora’ que somos.
o outro ‘apropriado’, oposto ou negação desse, é o da aproriação-proprietária, e da propriedade como domínio das coisas e silencio ou espera das palavras.
com isto, nao sei bem onde pôr o ‘construir’ – o construir de uma ermida ou o construir de uma ponte de pedra nao me parece igual ao construir de uma auto-estrada de escravos – o construir que é a tarefa dos pássaros não é o construir das máquinas, mas isto levava-nos à arte e à técnica, acho…